quinta-feira, 5 de outubro de 2017

0198 O homem das pernas altas - nota de intenções

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O Homem das Pernas Altas enquanto filme de animação procura através de um ambiente de fantasia abordar questões ligadas à realidade dos nossos dias. Em particular, centra-se nas questões inerentes ao desenvolvimento e enriquecimento do indivíduo através das suas experiências e superações. O encontro com o outro, ele também um ser único com a sua história, a sua originalidade, desejos, e tudo aquilo que o distingue como indivíduo e o lugar de cada um no puzzle cultural das comunidades. Numa altura em que parece haver alguma tendência nas sociedades actuais para a massificação do gosto, creio ser importante a abordagem desta temática. Na mesma direcção procura também abordar a questões relacionadas com a concretização individual. Várias tentativas de concretização de acontecimentos são manifestadas no filme por vários personagens e pretendo que tenho um significado que vá ao encontro do que o filósofo português José Gil identificou, no livro Portugal hoje, o medo de existir, um dos problemas das sociedades ocidentais – a não-inscrição, que se relaciona com a ausência de acontecimentos. Essa ausência de acontecimentos provocado em grande medida por sensações de medo é causadora de um grande desfasamento entre o que pensamos e sentimos e a própria realidade. Consequentemente também causador de frustrações, invejas e um grande sedentarismo.



O  homem de cartola e pernas altas é um personagem que tenho desenvolvido e recriado ao longo do tempo. Pelas suas características de fantasia assemelhando-se quando se move a um gafanhoto ou a uma aranha parece-me o personagem perfeito para despertar um ambiente de fantasia e o aparecimento de outros personagens também singulares com quem ele se vai cruzar e vivenciar momentos dentro de uma cidade criada pelos gestos da sua coreografia desajeitada.



Como facilmente se perceberá este homem de pernas altas e cartola não é um dançador nato mas no seu jeito trôpego e elegante fará algo genuíno, autentico, algo novo que o retirará dos movimentos repetidos de todos os dias. Irá como diria Nietzsche afastar a prisão do eu e abrir o si mesmo, superar-se, esquecer-se de si ao ligar-se à música e aos gestos da dança e desse modo encontrar-se. Outros personagens irão surgir conforme ele deambula e dança pela cidade, uns realizando actividades corriqueiras do quotidiano mostrando ao homem das pernas altas alguma crueza da vida e outros movidos como que por um efeito dominó procurando também concretizar algo seu. Assim, pretendo com O Homem das Pernas Altas explorar o efeito que uma música ao som do realejo seguida de uma dança desajeitada pode ter. De início um personagem tocador de realejo com a sua música, depois a dança e os cartões que são cuspidos pelo instrumento com o registo da música e que não pode perder. Os seus gestos deixam marcas no espaço e cria-se uma cidade à sua imagem habitada por personagens que também procuram realizar algo.  Funâmbulos, viajantes, amantes, velhos marinheiros, cuscos, músicos e cães com focinho de homens ou mulheres, todos partilham o solo da vida e alguns o da procura de concretização. No fim alguns cartões que o homem da cartola não conseguiu apanhar vindos do realejo tocam nas casas e pintam a cidade . Todos se juntam celebrando ao som da música que ainda toca agora pelos megafones para a praça o facto de estarem juntos. A música acaba e tudo se mistura num movimento de rotação da manivela do realejo que abranda até parar. A cartola está por cima do instrumento com os cartões que o homem das pernas altas conseguiu apanhar dentro presenteando o espectador e sugerindo a inscrição.


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