O Homem das Pernas
Altas enquanto filme de animação procura através de um ambiente de fantasia
abordar questões ligadas à realidade dos nossos dias. Em particular, centra-se
nas questões inerentes ao desenvolvimento e enriquecimento do indivíduo através
das suas experiências e superações. O encontro com o outro, ele também um ser
único com a sua história, a sua originalidade, desejos, e tudo aquilo que o
distingue como indivíduo e o lugar de cada um no puzzle cultural das
comunidades. Numa altura em que parece haver alguma tendência nas sociedades
actuais para a massificação do gosto, creio ser importante a abordagem desta
temática. Na mesma direcção procura também abordar a questões relacionadas com a
concretização individual. Várias tentativas de concretização de acontecimentos
são manifestadas no filme por vários personagens e pretendo que tenho um
significado que vá ao encontro do que o filósofo português José Gil identificou,
no livro Portugal hoje, o medo de existir,
um dos problemas das sociedades ocidentais – a não-inscrição, que se relaciona com a ausência de acontecimentos.
Essa ausência de acontecimentos provocado em grande medida por sensações de
medo é causadora de um grande desfasamento entre o que pensamos e sentimos e a
própria realidade. Consequentemente também causador de frustrações, invejas e
um grande sedentarismo.
O homem de cartola e pernas altas é um
personagem que tenho desenvolvido e recriado ao longo do tempo. Pelas suas
características de fantasia assemelhando-se quando se move a um gafanhoto ou a
uma aranha parece-me o personagem perfeito para despertar um ambiente de
fantasia e o aparecimento de outros personagens também singulares com quem ele se
vai cruzar e vivenciar momentos dentro de uma cidade criada pelos gestos da sua
coreografia desajeitada.
Como facilmente se
perceberá este homem de pernas altas e cartola não é um dançador nato mas no
seu jeito trôpego e elegante fará algo genuíno, autentico, algo novo que o retirará
dos movimentos repetidos de todos os dias. Irá como diria Nietzsche afastar a
prisão do eu e abrir o si mesmo, superar-se, esquecer-se de si ao ligar-se à
música e aos gestos da dança e desse modo encontrar-se. Outros personagens irão
surgir conforme ele deambula e dança pela cidade, uns realizando actividades
corriqueiras do quotidiano mostrando ao homem das pernas altas alguma crueza da
vida e outros movidos como que por um efeito dominó procurando também
concretizar algo seu. Assim, pretendo com O Homem das Pernas Altas explorar o
efeito que uma música ao som do realejo seguida de uma dança desajeitada pode
ter. De início um personagem tocador de realejo com a sua música, depois a
dança e os cartões que são cuspidos pelo instrumento com o registo da música e
que não pode perder. Os seus gestos deixam marcas no espaço e cria-se uma
cidade à sua imagem habitada por personagens que também procuram realizar
algo. Funâmbulos, viajantes, amantes,
velhos marinheiros, cuscos, músicos e cães com focinho de homens ou mulheres, todos
partilham o solo da vida e alguns o da procura de concretização. No fim alguns
cartões que o homem da cartola não conseguiu apanhar vindos do realejo tocam
nas casas e pintam a cidade . Todos se juntam celebrando ao som da música que
ainda toca agora pelos megafones para a praça o facto de estarem juntos. A
música acaba e tudo se mistura num movimento de rotação da manivela do realejo
que abranda até parar. A cartola está por cima do instrumento com os cartões que
o homem das pernas altas conseguiu apanhar dentro presenteando o espectador e
sugerindo a inscrição.
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