sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

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Estes primeiros desenhos e mais alguns que entretanto lhes perdi o rumo, pertencem a uma série realizada em 2003 e têm como ponto de partida o estado de alheamento de um homem que vi numa tasca próxima da feira da Vandoma no Porto. Já lá vão alguns anos, talvez mais de quinze, no início da década de noventa, no tempo em que fazia directas para ir à vandoma fazer uns trocos para o fim de semana...Foi com certeza a figura com mais rugas e mais ausente que alguma vez vi... a sua imagem ficou-me na cabeça!
Numa primeira fase da proposta os elementos que considerei relevantes para o desenvolvimento do trabalho foram a ambiguidade da figura tão veemente marcada pelo tempo e essas próprias marcas. Por isso optei por grandes planos do rosto, priveligiando a densidade emocional, o uso do preto, branco e cinzentos e a não utilização de quaiquer outros elementos que pudessem fornecer pistas sobre o personagem.
Na segunda fase escrevi um pequeno texto que poderia justificar o estado de ausência do personagem e que decidi usar como elemento constituinte da imagem. Esse texto, a história daquele personagem, torna-se o seu corpo, aquilo que o sustem e que o mata lentamente, a causa do alheamento ao que o rodeia. Posteriormente substituí o texto por elementos que simbolizavam os seus temas principais, amor, tempo e morte. Um pouco como Roman Opalka, os números traduzem uma contagem que marca o tempo do nosso desaparecimento. No caso deste personagem a morte interior tem início quando ele se propõe esperar, ou seja no número 1, no canto superior esquerdo de cada imagem evoluindo progressivamente por linhas até ao canto inferior direito marcando também um tempo finito, assim como o acto de escrever os números com a tinta da china é feito por ciclos finitos, iniciados em cada vez que o aparo é mergulhado na tinta escrevendo até que ela se esgote totalmente do meio riscador.

O tempo tornou-se o grande tema destes desenhos, mais concretamente a consciência do nosso tempo em vida, a nossa finitude e os nossos timmings. A abertura deste atalho para a realidade trará consequentemente mais tempo para o enriquecimento pessoal e partilha dos nossos unus mondus.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008