Sinopse
Na ilha dos loucos há dois
tipos de loucura. Uma que se vê e que se aproxima da verdade e outra que não. Num
ritmo crescente ambos delírios parecem
ganhar mais e mais terreno e através de momentos das suas crescentes aparições
poderemos pôr questões simples mas essenciais como Qual é o significado da
vida? Quem eu quero ser ou o quê que realmente me interessa.
Nota de Intenções
Narragonia é a ilha para
onde se dirige a barca dos idiotas, num poema originalmente escrito por
Sebastian Brant em 1494 - Das
Narrenschiff. Neste poema, pouco depois entre 1503-1504 interpretado por
Hieronymus Bosh na Nau dos Insensatos,
um óleo sobre madeira; o mundo é narrado como uma barca onde os seus
passageiros eram o retrato da humanidade da época. Brant expõe as fraquezas e
vícios do seu tempo. Ele concebe Saint Grobian, retratando-o, o santo da
vulgaridade e das pessoas grosseiras.
Nas Narragonias dos dias de
hoje a barca trouxe duas loucuras. Uma é aquela que nos aproxima da nossa
verdade individual, daquilo que somos, não deixa q o exterior penetre na
tentativa de preservação desse universo. A segunda abdica dos valores pessoais
e é totalmente condicionada por valores externos, os valores vigentes.
Caracteriza-se pela obediência e conformismo. Enquanto que a primeira, a
esquizofrenia, a loucura visível, apresentada pela psicologia e psiquiatria
como doença mental, está conotada com a ideia de que se trata de uma perda
gradual da noção da realidade, a segunda, designada por Arno Gruen como a loucura da normalidade encobre outro
género de doença muito mais perigosa que é aquela caracterizada pelo
comportamento normal, uma patologia da adaptação em consequência da renúncia do
Eu. Dá-se a substituição de sentimentos por conceitos de sentimentos sem que se
trate neles de verdadeira experiência. “ Quanto mais saudável a imagem da
identidade que assumiram tanto maior será o sucesso dessa manipulação, ja que a
intenção não é exprimirem-se mas de convencer o parceiro de que agem ,pensam e
sentem de uma forma adequada.”
Para Mário de Sá Carneiro a
loucura era uma questão de maiorias. Só o são loucos porque ainda estão em
minoria. Mas sociedades actuais parecem caminhar a passos largos para ambas as
manifestações de loucura e parecem não saber lidar muito bem com a diferença.
Sobretudo a da normalidade onde sentimentos primários como a dor, a preocupação
e a impotência não têm lugar e são encarados como fraqueza mesmo sendo eles em
estâncias posteriores da vida gatilhos para o desenvolvimento da consciência,
do altruísmo e da criatividade,. Em vez disso são incutidos valores ligados ao
consumo, ao empreendedorismo e competição omnipresente. O cumprimento de
deveres substitui a responsabilidade pessoal, a perda de autenticidade para se
participar no poder, a massificação dos gostos e ideias parecem ganhar terreno
e alienação crescente individual e colectiva. Obedecer, produzir e consumir,
eis o tríptico que domina a vida ocidental. Obedece-se aos pais, aos
professores, aos patrões, aos proprietários, aos comerciantes. Obedece-se
também às leis, às forças da ordem e a todos os tipos de poderes.
Este é o território que
tenciono abordar neste projecto. No sentido de lembrar que a contagem do tempo
não pára e questionar sobre a maneira como ja estaremos com os pés em
Narragonia pretendo a partir de uma colagem de sons de momentos do quotidiano
urbano fazer um retrato dos dias e da evolução dos dois estados mentais.
Será através de um processo
próximo do de Arthur Lipsett em filmes como 21-87
ou Very Nice Very Nice e Six Weeks in
June de Stuart Hilton. Inicia-se com a construção de uma trilha sonora e
posteriormente seguir-se-á a construção da narrativa da imagem partindo
obviamente da do som. Elas terão uma ligação bastante íntima mas sem se tratar
necessariamente de sincronia.
Pretendo fazer entrevistas e
gravações no exterior, de sons da vida urbana, conversas na rua ou monólogos de
personagens ora vinculados à incapacidade de lidar com o mundo exterior, ora
vinculados com o absurdo da normalidade ou até a outros que não estejam em
nenhuma dessas circunstâncias e tenha também relevância para o tema. De maneira
que apareçam na narrativa articuladas como se fosse um só discurso e com uma
ordem de loucura crescente.
Esteticamente pretendo que a
expressão individual esteja bastante presente. Desse modo o desenho, meio de
comunicação primitivo e pessoal por excelência terá uma grande importância.
Pretendo que esse desenho conviva com elementos vindos, assim como o som, da
vida real, representativos da publicidade, do consumo e da economia como
cartões pessoais, etiquetas ou embalagens. Quero que estejam presentes no papel
e cartão que servirá de suporte do desenho que será em tinta da china. Pretendo
também que esteja presente no desenho texto escrito à mão e números. Este texto
represente o universo de alguns personagens e os números referem-se à contagem
do tempo assim como abordou o Roman Opalka em várias pinturas. Algum lirismo do
desenho a aparo ou outros meios de registo da tinta da china poderá estar
próximo de autores como o Dave McKean